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- Capítulo 27

Naquela
noite, o leve barulho das águas oceânicas foram substituídos pelas vozes
animadas de um quarteto que navegava em sua superfície. era a última noite que o
grupo estaria viajando junto. No dia seguinte os adolescentes seguiriam para
Slateport e Briney voltaria para a cidade de Petalburg juntamente com Peeko.
– É estranho parar pra
pensar que em algumas horas não estaremos mais viajando juntos. Já os considero
meus pequenos marinheiros - dizia o mais velho cuja voz carregava uma leve
tristeza mal disfarçada.
Briney havia se oferecido
para levar os adolescentes à próxima cidade quando soube que os mesmos estavam
procurando um barco. Em seu interior acreditava que devia muito ao trio, mesmo
que o negassem, pois foram eles que, mesmo que involuntariamente, lhe trouxeram de volta a vontade de viver.
Naquele momento, eles
desfrutavam de um jantar simplório constituído de sanduíches preparados ali
mesmo. May contava ao idoso sobre a batalha de ginásio com detalhes, da qual o mesmo não pudera comparecer
devido a uma indisposição. No entanto, isso não o impedia de aproveitar cada pormenor contado pela garota com
entusiasmo, como
se estivesse vivendo o momento.
–
E qual é a próxima insígnia que você pretende disputar agora? – A morena deu de
ombros um pouco sem graça.
–
Pra falar a verdade, ainda não me decidi. Pelo caminho que estamos seguindo, as
opções seriam os ginásios de Mauvill,e seguindo para o norte de Slateport
ou Petalburg a noroeste…– A verdade era que a garota queria voltar à Petalburg,
mas lembranças da batalha contra Lunna ainda estavam vivas em sua mente.Seria agora mais capaz do
que estava antes?
–
Ah, seja qual for o ginásio que decidir disputar, você vai arrasar. Afinal,
minha amiga já tem duas insígnias – disse Juliana passando o braço pelo ombro
da mais nova, fazendo-a corar.
–
E você, Ju? Fiquei sabendo que haverá um concurso em Slateport dali alguns
dias. Pretende participar? – perguntou o homem, e foi a vez da negra ficar
constrangida.
–
Vou e sei lá, não me sinto muito preparada, mas vamos ver no que dá, né?
–
Ei, para com isso. Eu bem vi o quanto você treinou em Dewford. Se existe alguém
que merece aquela fita é você – protestou May.
–
É, melhor parar de bobagem – Foi a vez do garoto se manifestar.
–
Por Arceus, vocês são uns fofos – riu enquanto tampava o rosto, levemente
encabulada.
A
conversa se seguiu por alguns minutos com o homem mais velho contando algumas
histórias de suas viagens pelas diversas regiões do mundo. Desde as belas ilhas
de Decolore até as terras longínquas de Galar, era impressionante o quanto o planeta ainda era grande e
desconhecido pelos jovens que sequer conheciam metade de suas terras natais.
Por
fim, o grupo decidiu se dispersar para descansar. Naquela noite, os adolescentes deixaram
o idoso ficar com o quarto enquanto deitavam-se em seus sacos de dormir no
convés. O mar estava tranquilo e a única iluminação provinha de uma pequena
luminária lateral, impedindo que o breu da noite sem lua os deixasse no
completo escuro.
***
May
despertou assustada. Sentia a garganta arder e era como se sua língua pesasse vinte
quilos dentro da boca e fosse feita de areia. Não se lembrava bem do que
sonhara, mas a sensação de afogamento vinha lhe de novo à mente. Olhou para
seus amigos, Brendan estava deitado no saco de dormir ao seu lado enquanto
Juliana dormia em um dos assentos maiores próximo à cadeira do navegador.
Já sentada, pegou o cantil
na mochila deixada em um canto sob seus pés e ingeriu longos goles. A água
fresca trouxe-lhe bem estar e a despertou completamente, porém, por mais que se
esforçasse, não conseguia lembrar do que sonhara. Sentindo o sono demorar a
vir, a garota pegou a pokebola de Skitty ao seu lado e levantou-se para descer
no convés inferior; respirar um pouco de ar puro e molhar os pés na água do mar na
companhia de sua Pokémon talvez a fizessem se acalmar novamente.
A primeira coisa que viu
ao levantar, no entanto, quase a fez recuar um passo. Ao invés das águas e da
luz puntiforme das estrelas, havia apenas uma densa neblina que pairava
traiçoeira e impedia que a garota visualizasse qualquer coisa ao seu redor.
Imaginou que aquele tipo de coisa era comum em alto mar, no entanto não podia
controlar seu medo, eles eram apenas um ponto em toda a imensidão de perigos
que podiam encontrar ali. Pensou em chamar os amigos, mas se sentiria boba em
acordá-los por conta de algo tão banal.
Toda aquela névoa então
começou a se dissipar e ela viu algo que a fez ficar ainda mais nervosa, se é
que era possível. Uma estrutura gigante surgiu em seu campo de visão, de tais dimensões que seria impossível que
eles não houvessem visto antes, no entanto, em momento algum ela lembrava de si
mesma ou algum dos amigos mencionando um navio encalhado de tamanho monumental.
Sentindo
todos os pelos de seu corpo arrepiarem-se, ela percebeu que era hora de chamar
os amigos, no entanto ao se virar, deparou-se com uma estranha criatura de
olhos de diamante e presas afiadas. O diabrete se encontrava sobre o corpo
adormecido de Brendan que sequer parecia sentir o seu peso. Quando notou
o movimento
da adolescente atrás de si, o fantasma abriu um sorriso maligno e deu um salto rápido rumo
à sua bolsa.

–
Ei, não mexa nisso! – advertiu segundos antes do pokémon correr e saltar do
barco com um objeto em sua boca, flutuando em direção à embarcação encalhada – Espere!
–
Qual seu problema? – reclamou Brendan com voz carregada de sono.
–
Havia um pokémon, um Sableye…
–
Do que você está falando? Não há ninguém aqui… Que porra é essa?– emudeceu-se
ao ver o navio em meio à neblina.
–
May, Brendan, por que estão fazendo tanto barulho? – foi a vez de Juliana
reclamar. May porém não respondeu. Correu em direção à mochila e revirou suas
coisas, abrindo cada bolso até por fim dar falta de algo.
–
Ele levou minhas insígnias! – gritou ela irritada – Aquele fantasma levou
minhas insígnias e eu vou acabar com a raça dele, mesmo que já esteja morto.
Sem
dar tempo dos amigos se manifestarem, a garota pegou a pochete com as pokéballs
e uma lanterna, correndo logo em seguida na direção do convés inferior do navio.
*
–
May, espere! – gritou a negra, mas de nada adiantou. Liberando Theodora de sua
pokeball, a morena ordenou que a baleia a levasse na direção pela qual seguiu o
pokémon.
Os
dois treinadores no barco ainda estavam sem reação, talvez pelo sono ou por
terem sido despertados abruptamente naquela situação inesperada. Juliana foi a
primeira a se levantar e correr escada abaixo, porém era tarde demais, a mais
nova já havia desaparecido de seu campo de visão.
–
Que droga! – subiu correndo para arrumar suas coisas e sem olhar para o
adolescente, ordenou – Brendan, vá acordar o senhor Briney. Agora!
Surpreso
pelo tom autoritário usado pela mais velha, Brendan rapidamente obedeceu,
voltando poucos minutos depois na companhia do idoso que parecia desorientado. A expressão confusa no
rosto do homem instantaneamente desapareceu ao ver o estranho navio mencionado
pelo garoto. Ele não fez perguntas, apenas pediu para que os jovens se
acomodassem.
–
Precisamos buscar a May o mais rápido possível, se aquele navio for o que eu
estou pensando, estamos com sérios problemas – disse enquanto se sentava e
ligava o motor.
*
May
caminhava pelo piso de madeira nos andares inferiores, seus passos ecoavam em
meio a um silêncio sepulcral e tudo que ela conseguia enxergar eram as partes
tocadas pelo círculo luminoso da lanterna. Skitty andava ao seu lado com o
corpo quase colado ao da treinadora, aparentemente lugar assustava a ambas na
mesma proporção. Não havia sinais do Pokémon fantasma, seja lá onde quer
que esse estivesse.
A
cada passo que dava, o ar ficava mais carregado pelo cheiro de mofo misturado à
ferrugem e era denso, como se o local houvesse permanecido fechado por anos. As
paredes um dia brancas tinham se descascado restando muito pouco da pintura
original e o chão parecia estar tão apodrecido em alguns pontos que ela
precisava se espremer para passar nas partes que pareciam mais seguras. Seu
corpo arrepiava em calafrios a todo momento, acompanhada da sensação de estar
sendo observada.
Um
vulto à sua esquerda a fez se virar abruptamente, no entanto ao tentar
localizá-lo com o foco da lanterna, nada viu. Um pequeno chiado ao seu lado a
fez olhar para a Skitty que observava algum ponto a frente com os pelos do
dorso arrepiados. Pela primeira vez a adolescente começava a ter consciência do
que fizera, entrar num lugar abandonado atrás de um pokémon fantasma não havia
sido nem de perto uma decisão inteligente.
Um
som estrondoso de algo caindo no chão fez um pequeno grito sair de seus lábios
e recuar vários passos, pisando sem perceber em um dos pontos fragilizados da
madeira. Com um suspiro de alívio, percebeu que a mesma resistiu ao seu peso,
contudo, ao olhar ao redor, notou que sua pokémon havia desaparecido.
–
Skitty! Skitty, onde você está?
–
Você não deveria estar aqui… – disse uma voz baixo atrás de si. Ela sentiu os
pelos na nuca eriçarem-se e se virou imediatamente. Não havia ninguém ali.
*
O
barco de Briney fora ancorado o mais perto possível. Por sorte conseguiram se
aproximar o suficiente de um dos buracos enormes do casco sem se molhar. O mais
velho ia na frente, mal mencionara uma palavra quando percebeu para onde eles
teriam de ir. Ele liberou Peeko de sua Pokéball e pediu que o mesmo
procurasse a treinadora do alto enquanto vasculharia o interior com os demais.
–
O senhor acha melhor nos separarmos? – perguntou a garota.
–
Não… – deu uma pausa, apontando a lanterna de um lado para o outro – Crianças,
eu já ouvi falar desse navio, os marinheiros contam diversas histórias sobre
ele. Temos que encontrar a May e sair o mais depressa possível.
–
O que dizem essas histórias? – Brendan questionou.
Eles
passavam agora por uma porta metálica que dava para o que devia ter sido uma cozinha,
porém em um estado tão lastimável que faria estremecer até o mais simples dos
chefs. Pias cobertas de musgo que se estendiam até as paredes, pratos e
talheres espalhados pelo chão imundo. Um cheiro de podridão pairava no ar.
–
O nome desse navio é SS Cactus, em uma bela noite há anos atrás ele
desapareceu, levando consigo centenas de passageiros. Anos depois, haviam
relatos de um navio francês naufragado que aparecia em meio à neblina e junto
com ele diversos relatos de treinadores que também desapareciam – apontava a
esfera de luz em várias direções, como se esperasse encontrar algo que muito
provavelmente não deveria estar ali.
–
São apenas histórias bobas de marinheiros. O-o senhor não deveria acreditar
nesse tipo de coisa… – disse o garoto.
Briney
não lhe respondeu, apontava o foco da luz para uma lixeira. Caminhou até lá e
sem se importar, enfiou a mão dentro de seu conteúdo e retirou de lá algo que
parecia ser um cartão de treinador. Uma rápida olhada fez seu rosto ficar ainda mais
sério, se é que era possível.
–
Talvez sejam. Mas mesmo assim meu espírito não ficará em paz enquanto não
estivermos o mais longe possível desse lugar.
*
Penélope
corria assustada por entre os corredores. Não havia sinal de sua treinadora,
até mesmo o cheiro dela desaparecera. Foi apenas um instante, o som alto que a
assustou e a fez saltar e em seguida se perdera da garota. Sabia que ela estava
com seus outros parceiros, no entanto, nenhum deles possuía faro e audições tão
aguçados quanto os dela. Além disso, sentia a terrível energia daquele lugar,
algo horrível havia acontecido ali.
Conseguiu
então finalmente localizar o cheiro de May de maneira fraca e disparou em
direção ao mesmo, contudo, diferente do que esperava, não foi ela que encontrou
e sim uma figura fantasmagórica com olhos de diamante sentada em um sofá cujo
estofamento se rasgara há muito tempo.
“Por
que você está com o cheiro de minha mestra? O que você fez com ela?” O fantasma
deu uma risada macabra.
“Está
procurando isso?” ele enfiou os dedos na boca e retirou desta o estojo
prateado que continha as duas insígnias que a garota obtera por seu desempenho
no ginásio.
“Devolva”
sem pestanejar, abriu a boca liberando o Icy Wind. O fantasma apenas se
desmaterializou e reapareceu ao lado da gata.
“Não
tenho interesse na garota, mas o destino dela agora não depende de mim”.
Lançou o objeto para a Skitty que agarrou com a cauda. “Boa sorte, gatinha. Vocês
irão precisar”.
“Espere!” gritou, mas o Sableye já havia
desaparecido.
*
May
adentrava cada vez mais no navio, via o que deviam ser as cabines dos
passageiros mais pobres, quartos apertados com duas camas de estrado e colchão
fino, quase inexistente. Um destes lhe chamou atenção com o que parecia ser uma
pequena caixa de música sobre uma mesa de cabeceira de ferro escuro.
Ela
adentrou o compartimento e pegou o objeto que estava praticamente em perfeito
estado, diferente de todo resto que havia no lugar. Aberto, revelava uma
bailarina com vestido rosa bebe e um espelho rachado em um dos cantos. Foi ao
colocar o foco de luz sobre este que a garota percebeu alguém atrás de si. Um
grito, a caixa escapou de suas mãos e caiu no chão, começando sozinha a tocar
uma música suave enquanto a bailarina girava com o movimentar das engrenagens.
Ao olhar, percebeu que mais uma vez o lugar permanecia vazio.
Com o susto, apoiou-se na
cama ao lado para recuperar a força das pernas, mas ao tocar um objeto sólido,
notou o esqueleto deitado ali cuja cabeça estava virada em sua direção, como se
a encarasse. Dessa vez fora demais para a menina que em completo pânico, correu
para longe assustada com lágrimas nos olhos.
*
Briney acabara os levando
ao andar superior, por mais que tivessem andando pro vários corredores, não
encontraram sinal da adolescente mais nova. Era como se ela houvesse
desaparecido no ar. Juliana carregava a maior tensão entre os três, se houvesse
sido mais rápida, se houvesse aberto os olhos ao ouvir as palavras da garota e ver a situação em que estavam,
talvez houvesse conseguido impedí-la. Vulpix havia sido liberada para fora de
sua Pokéball e nem mesmo o faro
avançado da raposa havia obtido resultado..
Haviam chegado à ponte de
comando, embora mal fosse possível dar essa nomenclatura, já que praticamente a
única coisa que ainda permanecia em seu lugar era o leme. Os vidros há muito
haviam partido, da cadeira do capitão só estava a parte do assento e todos os
equipamentos antigos de pelo menos trinta anos atrás foram arrancados ou
destruídos.
Briney
tocou o painel com os dedos morenos.
–
Não entendo o motivo ou razão de terem feito isso – murmurou para si mesmo.
A
negra, porém, estava impaciente. A cada segundo que passava parecia que estavam
mais distantes de encontrar a garota. Até agora não havia recebido nenhum sinal
de que ela estava bem, não podia interromper sua busca.
–
Senhor Briney, não podemos ficar parados aqui, a May pode estar precisando de
ajuda!
Um
grito desesperado ecoou no ar fazendo gelar as espinhas daqueles que o
escutaram. Sem ao menos raciocinar para ter certeza de quem o proferira,
Juliana saiu pela porta.
*
Pokémons
fantasmas estavam por toda parte, a gata podia sentí-los. Atravessando as
paredes, observando-a de um plano que não pertencia aos vivos. Se alimentavam
da energia que havia ali, de almas mortas presas ao local onde falesceram. Ninguém sabia de
onde vinham os pokémons fantasmas, não eram muitos os vivos que tinham contato
com esses e os poucos que tinham não conseguiam extrair nenhuma informação.
Penélope detestava
criaturas que se escondiam daquela forma, no entanto sabia que era ela a
invasora de seus domínios. A única que queriam ali era sua treinadora, ela
ainda não entendia exatamente o porquê, mas no fundo suspeitava. Sabia a
verdade sobre a garota, soubera desde o momento que a vira pela primeira vez e
jurara protegê-la desde então. Os humanos podiam ser ruins, ela bem sabia disso
e temia pelo dia em que descobrissem o que May era capaz de fazer.
Seus
ouvidos aguçados captaram sussurros na sala à frente, ela apressou o passo,
porém sua passagem foi impedida por uma porta de madeira fechada. O primeiro
impulso que teve foi o de atacar, porém refreou o mesmo ao constatar que
poderia causar mais problemas do que soluções. Não era voz de sua mestra que
ouvia, mas talvez algum dos que estava ali pudesse lhe dizer seu paradeiro.
Inspecionou
cada canto da parede até achar uma abertura suficientemente grande para que
pudesse espremer seu pequeno corpo para passar por esta. Se deparou com um
grande saguão abandonado que outrora parecia ser uma área de luxo. Uma legião
de pokémons fantasmas pairavam no ar, seus corpos emitiam uma aura misteriosa
que dava ao salão uma luminosidade púrpura fantasmagórica.
Seu
corpo felino paralisou-se, sabia que a maioria dos ataques liberados não a
afetariam, mas não podia deixar de sentir medo. Pokémons fantasmas eram
amedrontadores até para seres humanos. Penélope forçou-se a caminhar alguns
passos, mantendo-se escondida à medida do possível enquanto tentava entender os
que diziam as criaturas. Qualquer informação que dissessem sobre o paradeiro de
sua treinadora já seria suficiente.
“O
casco está avariado, há água por toda parte...”
“Não
há botes para todos…”
“Socorro!
Nos tirem daqui!”
“Mamãe,
a água está subindo…”
As
frases que ela conseguia tirar dos fantasmas eram imprecisas e incoerentes.
Como se não fossem seque ditas por eles, porém eram tantas vozes misturadas que
ela sequer conseguia compreender se eles estavam em alguma espécie estranha de
conversa.
“Penélope…”
A
pokémon rosada ouviu seu nome ser chamado de algum lugar e procurou aquele que
o dissera. Os pelos do dorso arrepiados e o coração acelerado rezavam para que
fosse apenas uma coincidência infeliz.
“Penélope…”
Infelizmente,
era contar demais com a sorte esperar que tantos seres espectrais não notassem
a presença de um ser que pertencia ao mundo dos vivos. Um Banette estava na
frente dela, por sua aparência, ela notou se tratar de um pokémon mais velho.
Os lábios vedados por zíper fizeram o corpo da gata estremecer. Pensou se
aquele era o momento que deveria atacar e apenas fugir.
“Venha
conosco… Estávamos a sua espera” A voz sussurrada parecia vir de mil vozes
simultaneamente.
Sem
saber como proceder, a Penélope simplesmente caminhou atrás do fantasma que
flutuava. Ao olhar para cima, notou os olhos de todos os fantasmas para si, alguns traziam sorrisos
sinistros em seus rostos. Ela desejou mais do que nunca estar protegida entre
os braços de May.

Após
atingirem o topo da escadaria, o fantasma atravessou uma porta de madeira que
se abriu sozinha para a passagem da gata. O cômodo estava ainda mais escuro do
que o anterior, se é que era possível. Parecia ser uma sala um dia usada para festas e recepções, porém nada
mais restava ali a não ser por alguns sofás destruídos. Não havia mais sinal do Banettte e antes que
pudesse se dar conta, a porta fechou-se abruptamente.
“Tem
alguém aqui?” perguntou Penélope.
*
May
estava sentada, encolhida em um canto atrás de alguns caixotes de madeira.
Sabia que era em vão, já que o que quer que estivesse atrás dela, a encontraria
facilmente ali, mas simplesmente não conseguia forçar-se a se mover. Queria que
Brendan e Juliana estivessem ali, seus amigos lhe dariam coragem para enfrentar
aquele lugar horrível. Pensou em chamar algum de seus pokémons, porém de que
adiantaria tentar lutar contra seres que sequer estavam vivos? A única coisa que
esperava e rezava por isso, era que sua Skitty conseguisse achar o caminho de
volta até ela.
–
Agora não é um bon moment para chorar, má cherie – disse uma voz
feminina forte.
A
garota ergueu o rosto e diante de si havia uma mulher de pele branca e cabelos
negros como a noite, trajava um requintado vestido de cor preta. Os olhos azuis
encaravam-na com um ar de reprovação. May não se lembrava de ter visto uma
mulher tão elegante em toda sua vida.
–
Q-quem é você? – gaguejou.
–
Je m’appelle Edith, meu nome é Edith.
Erga-se, irei lhe ajudar – ela fez um aceno na cabeça para que a adolescente a
seguisse.
Ainda
confusa pela aparição inesperada, May levantou-se sem questionar e a
seguiu. Edith andava sem olhar para trás, a cabeça erguida e postura ereta e
altiva revelavam uma possível classe social elevada. Não parecia se incomodar
com a escuridão do navio, era como se caminhasse pelos corredores de seu
próprio palácio.
–
Você… também se perdeu? – indagou tentando extrair algum tipo de informação
daquela figura misteriosa.
–
Estou perdida há muito tempo, mon enfant –
respondeu sem dar mais explicações.
Depois
de alguns minutos de caminhada e algumas escadas, a mulher abriu a porta de um
quarto. Surpresa teve a garota ao ver que, diferente dos demais, aquele
permanecia em perfeito estado. Claro, aquecido, as paredes pintadas em tom
salmão e uma grande cama antiga com dossel. Ela apontou para o divã à beira da
cama para que a garota se sentasse.
–
O que é esse lugar? Esse navio não estava abandonado?
A
mulher não respondeu, à passos lentos se dirigiu até um carrinho de chá onde
uma chaleira ainda deixava escapar vapor.
–
Quel est ton nom, mon cher? – perguntou botando a bebida em uma xícara.
–
O que?
–
Seu nome – repetiu com paciência – Chá?
A
adolescente negou com a cabeça.
–
Meu nome é May – disse timidamente – Por favor, me ajude a achar minha Skitty e
sair daqui. A mulher não lhe deu a atenção, levando a bebida fumegante aos lábios
delicados.
–
Me diga, May. Você já conheceu alguém verdadeiramente mau?
*
Corredor
após corredor, Juliana corria na frente do grupo. Sabia que o grito viera de
algum ponto à frente do navio, embora não tivesse ideia de sua localização.
Haviam gritado o nome da garota, mas não obtiveram resposta, o coração da negra
estava apertado. Seria tarde demais? Naquele momento, cruzavam um pórtico que
dava entrada a um salão de jantar. Mesas redondas cobertas por lençóis brancos
e rodeados de cadeiras feitas de madeira nobre se distribuiam pelo piso
amadeirado. O grupo, porém, mal teria dado atenção ao lugar, se não tivessem
parado devido à criatura que surgira diante deles.
Era
um Sableye, confirmou a pokedéx de Brendan, talvez o mesmo visto por May antes.
Ele não fazia movimento algum, apenas observava-os com um sorriso misterioso. A
garota não sabia o que fazer, temia que o fantasma atacasse se fosse adiante,
porém conseguir uma batalha com ele em seu próprio território não parecia a
mais inteligente das ideias.
–
Foi você quem roubou as insígnias da May? Onde ela está? – o fantasma apenas
levou uma das mãos até os lábios e riu – Não vai dizer? Então é melhor nos
deixar passar, precisamos encontrar nossa amiga – ela tentava mostrar mais
coragem do que realmente sentia.
–
Já chega, não é um pokémon fantasma estúpido que vai me impedir de passar –
Brendan se adiantou com passos rápidos na direção da passagem seguinte.
O fantasma deu uma pirueta para trás, permanecendo no ar com o movimento. Vulpix recuou um passo ao ver a legião de fantasmas surgir inesperadamente diante do grupo. Eles liberavam uma energia ameaçadora, o trio não passaria pela porta. Juliana cerrou os punhos, se os pokémons estavam impedindo sua passagem por ali, eles estavam no caminho certo.

–
Roselia, Nigel, saiam! – o pequeno azulado ao ver a situação em que se
encontrava ameaçou voltar correndo para a treinadora, que deu um passo para
trás para evitar o contato com seu pokémon – Preciso de você agora, Nigel. Se
não o fizer por bem, será a Whismur que te fará agir.
Surpreso
e sem alternativas, o roedor engoliu seco e tornou a virar-se para frente
enquanto Brendan liberava seu Mudkip para se juntar à Vulpix.
Os
fantasmas começaram a liberar seus ataques enquanto os treinadores comandavam
seus movimentos, a batalha havia iniciado.
“Alguém?”
miou Penélope esperando uma resposta que não veio. Sentindo-se estúpida por
perder seu tempo acreditando em alguma brincadeira idiota do Banette, ela
virou-se para a porta. Iria arrebentá-la com seus golpes e tudo mais que
ficasse em seu caminho, sua paciência acabava de se esgotar.
“Penélope”
disse uma voz fraca e sussurrante. Ela olhou de um lado a outro, porém o dono
da voz permanecia oculto.
“Penélope”
A
gata caminhou até o final da sala, onde um grande relógio de pêndulo de mais de
dois metros era o único adorno que ainda existia. O pêndulo balançava de um
lado para outro produzindo batidas leves e rítmicas, ela se perguntou como não
havia percebido-o antes.
De
repente, uma grande esfera avermelhada surge por trás do pêndulo, pouco a pouco
se aproximando e assumindo a forma de uma criatura imensa, de cor acinzentada.
Era um Dusknoir.
“O
que você quer? Por que me chamou aqui?”
“A
garota está bem, se é isso que lhe preocupa. Precisamos de alguém vivo.” a
voz do fantasma parecia fraca, como se ali estivesse uma alma muito velha.
“Alguém
vivo? O-o que vocês vão fazer com ela?”
“Não
é com a humana que você deveria se preocupar” O corpo do fantasma brilhou
por alguns instantes para logo voltar ao normal. “Eu posso ver seu futuro.
Seu caminho é longo, mas se afasta do mundo dos vivos”
“Não
diga asneiras!” gritou a gata “Quem é você? Uma espécie de mãe Diná? Um
pokémon vidente? A única coisa certa é que vou encontrar minha mestra e irei
com ela até o fim!”
“Estúpidos
são aqueles que lutam contra…”
Não
houve tempo para terminar a frase, a porta pela qual passara agora estava
destruída e por ela passava uma pokémon que a Skitty não havia visto antes,
parecia estar vendo uma feiticeira.

“Agora
já chega” disse a recém-chegada. “O futuro não pertence aos vivos ou aos
mortos. Todos podemos mudar nosso caminho. Vocês, fantasmas, já fizeram bagunça
demais”
Sob
a voz poderosa, o Dusknoir recuou, desaparecendo entre as sombras do relógio do
qual havia surgido. Penélope olhou curiosa para a Mismagius.
“Quem
é você?”
“Meu
nome é Minerva. Vou levar-lhe até sua treinadora. Precisamos nos apressar”
–
Alguém verdadeiramente mau? – Repetiu a adolescente, confusa pela pergunta. – O-o
que você quer dizer com isso?
–
Você consideraria justo que alguém que fez propositalmente algo muito ruim para
outras pessoas, pagasse por isso? – os olhos azuis encaravam-na atentamente,
pareciam julgar cada uma de suas reações.
Os
olhos da garota desviaram ao chão de madeira alaranjada e ela mordeu o lábio
inferior, pensando no que deveria responder.
–
Bem… – fez uma pequena pausa – eu acho que sim. Quero dizer, se a pessoa fez
algo ruim ela deve ser punida não, é?
A
mulher sorriu satisfeita, então levantou-se e caminhou até um par de cortinas
vermelhas e afastou-as, revelando um mar tranquilo de céu limpo. Não havia
sinais do nevoeiro que outrora os havia cercado.
–
E se essa pessoa nunca fosse punida? Mesmo que anos se passem, continuaria
sendo vista como uma figura exemplar, quando na verdade traz consigo um caminho
repleto de sangue.
–
Não sei. Acho que alguém deveria fazer algo.
–
Imagine que façam mal a alguém que tu aimes. Qui ne pourrait jamais ver
o sorriso ou os olhos brilhantes – May se viu fechando a mão com força.
– Eu não sei onde a senhora quer chegar com
essa conversa, mas preciso ir. Meus amigos e minha Skitty esperam por
mim – disse
enquanto se levantava e seguia rumo à porta.
–
Preciso que me ajude – Edith de repente aparece em sua frente. Seus olhos
estavam intensos, continham um misto de raiva e desespero.
A
treinadora sentiu o coração palpitar enquanto recuava, era a primeira vez que
percebia que a figura em sua frente não era humana.
–
O-o que é você? – A mulher deu um passo, a visão ao seu redor tremeu e por um
instante ela se viu num quarto completamente destruído.
–
Je suis un vestige de algo que já existiu e agora não consigo me
libertar do que me prende a esse mundo. Perdi tudo e todos que me eram caros e
agora me sobra uma existência carregada de dor. Me ajude a alcançar a paz e lhe
ajudarei quando precisar de mim.
O
espírito se aproximava com passos decididos porém inaudíveis. Os cabelos se
agitavam de um lado para o outro como se movidos por uma ventania
inexistente.
Seus olhos agora carregavam raiva, dor e ressentimento. Por trás de todo medo que sentia, May sentiu uma pontada
de pena da figura em sua frente.
–
E-eu só quero sair daqui. Me deixe ir, por favor – pediu a menina com voz
suplicante enquanto tentava se afastar
–
Você procura tes amis, mas eu vejo… Há outro alguém que você também
busca, que sua alma clama desesperadamente. Deixe-me ajudá-la, mon enfant.
A
treinadora sentiu a respiração falhar, a possibilidade que estava sendo-lhe
oferecida a pegou totalmente desprevenida.
–
Você não sabe do que está falando – balançou a cabeça negativamente, sentiu o
peso das lágrimas preenchendo as pálpebras.
–
Eu sei o que almejas e irei ajudá-la a conseguir.
May
estava paralisada, não conseguia esboçar reação alguma e muito menos formar
palavras. A colisão entre instinto e sentimento agitara tanto sua mente que
apenas podia escutar as palavras que lhe eram direcionadas. Edith parou a
poucos centímetros, os olhos de um azul pálido fixaram se nos dela. Um frio
intenso a atingiu da cabeça aos pés. Foi a última coisa que a adolescente
percebeu antes de cair inconsciente.
*
A
legião havia caído, porém, os Pokémons da dupla estavam exaustos de modo que seus
treinadores os retornaram de volta às suas respectivas esferas. O conflito,
entretanto, não havia chegado ao fim, o Sableye continuava intacto e observava
a batalha como a quem assistia um show particular, sentado em umas das mesas
com as pernas cruzadas. Os treinadores observavam o diabrete, já não tinham
mais pokémons em mãos. Os ataques de Whismur de nada fariam efeito no fantasma.
Vendo
que se encontrava sozinho, Sableye se levantou. Eles não conseguiam distinguir
o significado da expressão vazia em seu rosto, sempre disfarçada por um sorriso
indefinido. Com passos curtos, se aproximou dos três batendo palmas, porém sem
produzir som algum.
–
É melhor sair daqui agora, você está sozinho – disse Juliana se adiantando um
passo.
A
porta diante deles se abriu de supetão, dando passagem a uma felina que eles
conheciam muito bem. Skitty estava cansada e ofegante, olhava de um lado a
outro como se procurasse por alguma coisa. Contudo, ao perceber os adolescentes
ali, pareceu ter esquecido o que buscava, correndo em direção da negra e
saltando em seus braços onde foi acolhida carinhosamente.
–
Skitty, você sabe onde está a May? Nós estamos procurando por ela – a gata miou
e balançou a cabeça como se afirmasse.
–
Nos leve até ela, por favor. Cada minuto a mais que passo neste lugar sinto-me
pior.
A
Pokémon
de May saltou para o chão para guiá-los, o Sableye que estava ali alguns
momentos antes havia desaparecido.
O
quarto estava gelado quando Briney, Brendan e Juliana chegaram até ele. Assim
como o resto do navio, o cômodo estava em destroços. A única coisa que
diferenciava-os era a presença de uma garota de cabelos castanhos que sentava
sobre as próprias pernas encarando o nada.
–
May! May, você está bem? – Juliana correu e se ajoelhou em frente a garota.
Skitty subira em seu colo lambendo o rosto da treinadora para chamar-lhe
atenção.
A treinadora não respondeu, seu olhar
permanecia desfocado e quando a amiga segurou suas mãos, percebeu que as mesmas
estavam geladas.
–
O que há com ela? – Perguntou Briney ajoelhando-se também.
–
Não sei – respondeu Juliana preocupada tocando o rosto da mais nova – May, me
responda.
Vendo
a falta de reação da garota, Skitty perdeu a paciência e com suas presas, abocanhou
o braço magro, fazendo-a voltar a si imediatamente.
–
Aiii! Skitty, porque está me mordendo? – gritou e puxou o braço que, no
entanto, já tinha sido solto pela gata que pulou em seu colo e se aninhou ali –
Eu estava procurando por você.
Ao
ver a mais nova voltar a si, uma explosão de sentimentos atingiu Juliana, felicidade,
tristeza, alívio, medo, porém, vieram acompanhados de lembranças que há muito tempo
não vinha-lhe à cabeça.
–
Fico feliz que esteja bem – A treinadora voltou seus olhos para sua frente, porém
Juliana já havia se levantado e estava de costas para ela. Fora a primeira vez
que ouvira aquela tonalidade na voz da amiga.
–
Ju? Eu… Me descul…
–
Vamos sair daqui logo… – interrompeu e, sem dizer mais nada, saiu pela porta do
quarto.
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