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- Capítulo 18.5 - Especial!
terça-feira, 26 de novembro de 2019
Era
uma tarde de temperatura amena. O cheiro de terra molhada pairava no ar após
uma manhã inteira de chuva forte. Um garoto de cabelos esverdeados estava
deitado sobre o telhado enquanto observava as pesadas nuvens, que outrora
trouxeram o temporal, se desfazerem pouco a pouco para dar lugar ao brilho
tímido do sol que lutava para anunciar sua presença naquele dia. Uma brisa
suave agitava suavemente os cabelos verdes enquanto lhe fazia carícias no
rosto. Esperava que sua mãe não soubesse que estava ali ou teria um infarto,
era aterrorizante para ela vê-lo numa altura maior do que um metro do chão. Era
engraçado como o medo por muito tempo também passara para ele, mas agora,
depois de tudo o que havia vivido, a sensação de estar longe de todos se
sobrepunha a qualquer medo que pudesse ter.
Assim
como as nuvens que carregavam tempestades, seu peito era uma reviravolta de
sentimentos que ele não conseguia identificar. Já fazia três dias. Há três dias
sua pokémon se fora sem nem ao menos olhar para trás. Constantemente se pegava
pensando se ela estaria triste, se sentia falta dele, mas o que mais lhe doía
era saber que todas as respostas para suas perguntas seriam não. Sua antiga
pokémon estava onde queria estar, porém não conseguia deixar de sentir um gosto
amargo na boca. A sensação de rejeição associada ao sentimento de ter falhado
com a Kirlia o perturbava constantemente.
Em
casa, a troca fora bem vinda por seus pais. A mãe ficara aliviada ao ver o
Elekid, que, apesar da raça ter um comportamento explosivo, era bastante
amigável. Passados os dias, parecia até que nem se lembravam de que ele um dia
tivera outro Pokémon. Sua tia, no entanto, sabia o que se passava em seu
interior e lhe perguntara mais de uma vez se tudo estava bem, tentando criar um
espaço para que o sobrinho se sentisse a vontade o suficiente para falar. No
entanto, Wally não desejava conversar, a verdade era que em todo esse tempo,
mal conseguira olhar para seu novo pokémon. Sabia que a culpa não era dele e se
sentia mal por isso, mas encarar e usar o pequeno humanoide elétrico
significaria aceitar de vez que Ártemis se fora.
Ouvindo
sua mãe o chamar do andar debaixo, ele desceu cuidadosamente do telhado até
atingir a varanda de seu quarto. Elekid estava sentado na cama folheando
desajeitadamente um dos poucos livros de figuras infantis que não havia sido
destruído pela Ralts. O menino passou pela criatura sem se dirigir a ela, no
entanto o Pokémon largou o que estava fazendo e seguiu-o fielmente como sempre
fazia. Quando chegou ao andar inferior, o cheiro de brownies caseiros de
chocolate com nozes havia impregnado todo o ambiente. Sua tia estava fazendo-os
para serem vendidos nas barraquinhas de comida que haveria no festival daquela
noite.
Os
pequenos bolos de aparência apetitosa estavam sendo cuidadosamente cortados e
embalados pela mãe do garoto. Ele tentou pegar um dos que estavam cortados em
cima da forma, mas foi impedido por um pequeno tapa da mão dado pela mãe.
–
Nem pense nisso. Eles ainda estão quentes e vão te dar dor de barriga –
repreendeu.
–
Wally, querido. Você poderia ir até o supermercado comprar mais ovos para mim?
– pediu a tia um pouco sem jeito – Deixei cair a vasilha que tinha o resto que
precisaríamos.
–
Você só não é mais desastrada porque trabalha numa cafeteria há meses –
comentou a sua mãe. Maggie mostrou-lhe a língua exatamente como uma criança
faria.
–
Acidentes acontecem, não seja chata. O dinheiro está em cima da mesa querido.
O
garoto confirmou com a cabeça e calçou os sapatos que estavam na entrada da
porta dos fundos. Pegou as moedas e notas que estavam sobre a mesa e colocou no
bolso.
–
Quantos eu tenho que comprar?
–
Acho que duas dúzias são o suficiente – respondeu a mulher mais nova olhando
para a massa na forma em suas mãos como se calculasse.
–
Está bem – o menino já ia sair quando sua tia chamou-o.
–
Espere, Wally! Porque não leva o Elekid com você? – sugeriu, o pokémon que
olhou para o garoto esperançoso.
–
É uma boa ideia. Ele quase não sai de casa – Foi a vez de sua mãe se
manifestar.
–
Acho melhor não. Eles nem devem deixar pokémons entrarem por lá – respondeu o
menino dando de ombros e, sem esperar resposta, saiu da casa.
Caminhava
pelas ruas com as mãos no bolso e a cabeça viajando por pensamentos distantes.
O supermercado não era longe dali, mas prolongou seu caminho o máximo possível.
Não sabia de que fugia, era como se encarar as pessoas fosse vergonhoso. Era
mais fácil estar na presença de estranhos do que daqueles que o amavam, talvez
pelos outros não conhecessem a falha que ele era como treinador. Por sorte, a
fila do local estava razoavelmente grande por conta do evento da noite,
fazendo-o perder mais um pouco de tempo de maneira justificável.
No
entanto, toda espera chegava ao fim e logo ele já entrava de novo em casa. O
pokémon elétrico levantou animadamente para recebê-lo, recebendo um aceno de
cabeça em resposta. Deixou as caixas de ovos em cima da mesa juntamente com o
troco e subiu as escadas rumo a seu quarto. Chegando neste, pegou livro
aleatório em sua estante e se jogou sobre a cama coberta com edredom azul.
Começou a folheá-lo sem realmente prestar atenção no que estava escrito.
Alguns
minutos depois leves batidas ressoaram em sua porta e ele disse à pessoa que
entrasse. Era sua tia Maggie que trazia um sorriso amigável.
–
Você nem me deu tempo de te agradecer pelo favor. – disse enquanto se
aproximava-se e sentava ao seu lado na cama. Passou delicadamente as mãos sobre
os cabelos lisos do sobrinho – Precisamos conversar.
–
Sobre o que? – perguntou. No entanto, já sabia do que a mulher falava.
–
Eu sei que você está triste pelo fato da Ralts ter escolhido outro treinador,
mas não pode deixar seu novo pokémon de lado. Elekid só quer conquistar seu
carinho e amizade.
–
Eu não estou deixando ele de lado, eu só... – ele não soube mais o que dizer.
Sabia que o que a mulher dizia era verdade por isso não tinha o que contestar.
Ela desviou
seu olhar dele e observou através da porta que dava para a varanda. O vidro
ainda exibia um pequeno adesivo em seu canto inferior esquerdo da qual ele não
tivera tempo de tirar, pois este havia sido colocado recentemente após Artêmis
ter quebrado o último. A expressão de sua tia era suave e os olhos distantes.
As vezes ela mexia a boca como se quisesse dizer algo, mas logo em seguida
mudava de ideia. Parecia lutar para conseguir achar as palavras certas.
– Eu
entendendo o que você está sentindo, embora nunca tenha passado por nenhuma
situação parecida – continuou a alisar os cabelos do garoto – A sensação de se
sentir rejeitado e trocado é uma das piores que existem. Você se pega pensando
no que poderia ter melhorado para ser o suficiente.
Ele não
respondeu, apenas abraçou os próprios joelhos e sentia os olhos ficarem um
pouco mais úmidos.
– E apesar de
eu te entender, existe alguém aqui que talvez saiba melhor do que ninguém do
que você está passando.
–
De quem você fala? – indagou o menino. A mulher fez um sinal aprontando para o
andar de baixo.
–
De seu Elekid.
–
Ah... – ele desviou seu olhar para algum ponto inespecífico da parede em sua
frente.
–
Como eu disse, compreendo o que você está sentindo. No entanto, você teve o
poder de escolha.
–
Como assim? – voltou a encará-la sem entender. Fora Artêmis que decidira partir
e não ele.
–
Você sabia que sua pokémon poderia ir se você permitisse. Você escolheu dar a
ela o direito de decisão e, apesar de não ter sido uma decisão que te agradou,
ela usou dele. – Maggie ajeitou a postura para enxergá-lo melhor e pegou uma de
suas mãos entre a sua – O que eu quero dizer é que você sabe qual a sensação de
ser trocado e estava ciente de que isso poderia acontecer. Imagine que já foi
trocado uma vez e agora sente que seu treinador novo não gosta dele?
Aquilo
pesou no estômago do garoto, nunca imaginou que pudesse estar repetindo com
outros o que aconteceu consigo. Artêmis havia sido “deixada de lado” pela
treinadora que queria, ele fora deixado de lado por sua pokémon e agora o
pequeno humanoide elétrico também sofria do mesmo sentimento com relação a ele.
Talvez ele e a Ralts não fossem assim tão diferentes, afinal.
–
Eu... Eu não... – começou, mas não sabia
o que dizer a seguir. Sua tia acariciou a mão que ainda estava entre as suas.
–
Eu sei, eu sei... E está tudo bem, ainda não é tarde demais para consertar. Só
lembre-se que coisas ruins acontecem e as vezes não se pode evitá-las, mas por
trás de cada porta que se fecha há sempre uma que se abre para que possamos
alcançar nossos sonhos de uma maneira diferente – e dizendo isso, a morena
levantou-se e saiu pela porta – Preciso terminar de assar meus doces.
As
palavras de sua tia o fizeram pensar mais do que semanas na escola. Por alguns
momentos ele permaneceu sentado na cama olhando para as próprias mãos sem saber
o que pensar e, por fim, pegou uma toalha e se dirigiu ao banheiro do andar
superior, onde tomou um banho demorado. Vestiu uma bermuda preta com tênis
brancos e uma camisa azul escura onde um pequeno Bulbassaur sentado na grama
erguia uma placa: I am a number one!
Quando
desceu as escadas, encontrou o pequeno Elekid sentado nos degraus olhando para
um pequeno globo de neve que continha a Torre Prisma em Kalos. Ele a balançava
de um lado para o outro e parecia encantado com os pequenos flocos de neve se
espalhavam para todos os cantos e caiam lentamente formando redemoinhos
desordenados. Ele não parecia ter percebido a aproximação do garoto, mas com
sua chegada observou-o com feição de tranquilidade.
–
Se a mamãe ver você mexendo com isso ela irá matar nós dois – sussurrou com
feição séria, assustando o pokémon que quase deixou o globo cair de suas mãos.
Ao contemplar os olhos apavorados da criatura, Wally deu uma pequena risada –
Está tudo bem, só tome cuidado para não quebrá-lo.
O
Elelkid assentiu e continuou a balançar o objeto, ainda encantado pelo que via.
Nunca em sua vida pode imaginar que uma criatura daquela espécie pudesse ter um
comportamento tão tranquilo. A natureza explosiva e agitada fora suplantada por
uma essência doce de uma criatura que parecia apenas possuía uma densa sede de
conhecer o mundo. Pensou que poderia ficar a observar o pokémon ali, imerso em
seus próprios sonhos, mas era chegada a hora de cumprir seu papel de ser tornar
um treinador melhor.
–
Ei, Elekid. Você quer dar uma volta comigo pela cidade? O Festival dos
Vaga-lumes vai começar e tudo estará muito bonito – o pokémon imediatamente
levantou-se de onde estava e correu para deixar o globo na estante de onde o
tirara – Acho que isso é um sim.
O
sol começava a se por e conforme treinador e pokémon caminhavam tudo diante dos
seus olhos ficava cada vez mais bonito e colorido. Em Verdanturf, anualmente
era comemorada uma noite em homenagem aos pokémons Volbeat e Illumise, criaturas muito amadaspela região pois
eram elas as principais responsáveis pela polinização das flores que tornaram
aquela cidade tão famosa. O início da
primavera coincidia com o nascimento de centenas daqueles fofos pokémons cujos
ovos foram botados no início do inverno. Naquela noite, todos esperavam poder
dançar sob a luz dos pequenos insetos dando seu primeiro voo.
As
ruas estavam repletas de barraquinhas multicoloridas com comerciantes que
preparavam seus primeiros produtos para vender, As cores vermelho e roxo
predominavam nos acessórios das mulheres, rapazes e crianças que corriam
brincando pra todo lado. No céu, as luminárias com o formato dos pokémons
balançavam com o toque do vento. Uma música suave pairava no ar vinda sabe se
lá de onde. Aos poucos o cheiro da deliciosa comida que estava sendo preparada
preenchia o ar e faziam salivar aqueles que o sentiam.
O
Elekid olhava para tudo com os olhos de uma criança, encantado e ao mesmo tempo
doido para tocar em tudo o que viam conforme Wally parava nas barracas para
apreciar seu conteúdo. Aos poucos a multidão aumentava e, para que seu amigo
não se perdesse, o puxou pelo braço e colocou em seu ombro. O peso era
desconfortável, mas não queria que o pokémon fosse pisoteado ou acabasse
derrubando alguém. Passou até na barraca
de sua tia onde ela e sua mãe vendiam sobremesas tradicionais da região, porém
não se prolongou muito por lá, porém ambas pareciam felizes de vê-los juntos.
Por
fim, comprou dois espetinhos de tofu e legumes para ele e seu pokémon e se
sentaram em um dos bancos da praça onde haviam grandes e belas cerejeiras no
auge do seu esplendor. Crianças corriam de um lado para o outro balançando
pequenas velas de estrelinha, como se travassem uma luta de varinhas mágicas de
um filme antigo da região de Galar. Um grupo de jovens estava sentado
razoavelmente próximo dele, mas não lhes deu atenção. Era tímido demais para
falar com desconhecidos, principalmente com pessoas da mesma idade dele.
–
Ei, Wally. Parece que você se deu muito bem na nossa troca, não é mesmo? – uma
voz chamando seu nome o fez virar seu rosto na direção do jovem. O mesmo garoto
que encontrara a dias atrás agora encarava-o entre um bando de amigos. A raglan
preta e vermelha e calça jeans o deixavam com um ar bem mais descontraído do
que antes.
–
Do, do que... – começo a falar, mas viu que a voz saiu como um sussurro e
aumentou sua tonalidade – Do que você está falando?
–
Da Pokémon que você trocou comigo. Ela pode ser do tipo psíquico, mas é uma das
piores pokémons que eu já vi. Esse Elekid pelo menos acerta o alvo.
–
Isso não é verdade – respondeu apenas. Se lembrava de todas as coisas que
Ártemis havia lançado nele e foram muitas poucas as que não haviam atingido o
alvo.
–
Fora que nem consegui treiná-la direito, perdeu todas as batalhas contra todos
os treinadores que enfrentei. Sinceramente, se eu não fosse um cara que
honrasse suas trocas, pediria meu Pokémon de volta – ele comentou sério
enquanto colocava as mãos no bolso.
–
Esse molequinho é mais esperto que você cara. Te passou a perna com a Pokémon –
debochou um dos amigos de Henry que tinha a cabeça raspada do lado e carregava
uma garrafa de cerveja de alguma marca famosa. Wally preferiu ignorá-lo.
–
O-onde ela está? – perguntou inconscientemente, pois sabia que a última coisa
que Artêmis queria seria vê-lo.
–
Pra falar a verdade pra você, eu nem sei cara – ele deu de ombros – Depois que
ela perdeu todas as batalhas contra os treinadores que enfrentamos, ela sumiu.
Wally
colocou as mãos no bolso e encarou o chão. Não importava que ela não fosse mais
sua pokémon. Iria achá-la e trazê-la de volta ao treinador para que ela
realizasse seu sonho de se tornar uma das guerreiras mais poderosas de Hoenn.
–
Eu irei atrás dela e a trarei de volta. Não se preocupe, ela é forte, só
precisa de treinamento adequado – Henry suspirou e enfiou a mão no bolso,
lançando uma pokébola para o garoto logo em seguida.
–
Pode fazer o que quiser. É a terceira vez que ela dá um surto e some, não me
deixa treiná-la e nem obedece. Não sei se algum dia alguém conseguirá treiná-la.
–
V-você quer desfazer a troca? – olhou para o pequeno Elekid que observava-os
com o olhar confuso e parecendo até um pouco entristecido. Deveria ser horrível
ficar passando de treinador a treinador como se fosse um simples objeto. Henry
olhou para seu antigo pokémon e em seguida para Wally.
–
Você conviveu mais tempo com esse Elekid do que eu. Não terei tempo de
treiná-lo para a Liga de Johto daqui há alguns dias. De qualquer modo, sou eu
quem estou te entregando a Ralts. Espero que consiga achá-la.
Wally
olhou para a pokebola vazia em suas mãos e assentiu.
–
Onde você a viu pela última vez? – Perguntou.
–
Estava perto do moinho abandonado. Aquele que as crianças daqui costumavam
brincar.
Um
arrepio percorreu a nuca do garoto. Já fora lá alguns anos atrás e mesmo de dia
aquele antigo moinho caindo aos pedaços ainda era assustador. A lua estava
crescente e as estrelas cobertas por pesadas nuvens que mais tarde poderiam
trazer chuva. Ele olhou para Henry e, com receio de que o medo transparecesse
em sua voz, apenas assentiu com a cabeça. Caminhou rapidamente em meio às
pessoas que estavam na feira, se sua mãe e tia o vissem correndo com certeza o
impediriam. Olhou para em volta para tentar localizá-las e viu o pequeno Elekid
que ainda estava atrás dele e sentiu-se mal novamente, mais uma vez estava
deixando o pequeno para trás.
Ajoelhou-se
para esperar que o pokémon o alcançasse e o acolheu em seus braços, sentido o
toque macio dos pelos e um pequeno arrepio, como se uma corrente elétrica suave
percorresse seu corpo.
–
Eu sei que não tenho sido o melhor treinador para você esses dias, aliás, estou
bem longe de ser um bom treinador, mas preciso que me ajude a encontrar minha
amiga. Ela está sozinha e magoada por aí.
–
Beee beey! – grunhiu o pokémon assentindo, parecia até animado. Wally sentiu as
pálpebras se pesarem com as lágrimas.
–
Ainda bem que não te perdi. – um abraço quente e apertado se seguiu. Talvez o
primeiro verdadeiro entre treinador e pokémon, selando uma amizade que provavelmente
duraria até o fim da vida de ambos.
Colocou
o pokémon novamente em seus ombros e, a partir de então, mal sentiu seu peso.
Continuou a andar pela multidão enquanto pensava no que fazer, ele conseguiria
chegar sozinho até o antigo moinho?
–
Wally? – uma voz conhecida chamou-o, fazendo-o se virar e ver a tia encará-lo
com uma feição preocupada – Está tudo bem, querido?
O
que fazer agora? Com total certeza sua feição dizia o que estava se passando em
sua mente e seu coração. Conseguiria mentir para a tia? Não sabia como dizer o
que precisava sem gaguejar, ele sempre fora um péssimo mentiroso.
–
Eu... Tia, eu preciso de ajuda... – a
voz dele saiu como um pedido desesperado de socorro.
–
Venha comigo. – ela puxou-o do meio do grupo de pessoas animadas e o levou para
uma área mais vazia – Eu vi você conversando com os amigos do Henry. Não tenho
nada em particular contra ele, mas devo dizer que aqueles garotos e garotas com
quem ele anda não são lá agradáveis.
O
menino de cabelos verdes contou então tudo o que lhe foi dito para a mulher que
apenas escutou a tudo atentamente sem pronunciar qualquer palavra. Quando a
história se encerrou, por fim, pediu que se ela não pudesse levá-lo, ao menos
que não dissesse à mãe dele o que iria fazer.
–
Precisamos dar uma desculpa para a sua mãe não perceber. Vou até ela e invento
qualquer desculpa e você me espere na rua de trás. – Passou a mão pelos cabelos
do garoto – Vamos dar um jeito nisso, não fique com essa cara.
Ele
fez o que lhe foi pedido e logo atingiu a rua de trás, ficando parado perto de
uma árvore para tentar chamar menos atenção. O barulho das festividades
continuava, mas ele sequer prestava atenção. A única coisa em que conseguia
pensar era respirar profundamente para tentar manter a calma, não precisava e
nem poderia ter outra crise de asma naquela noite. Muito tempo havia se passado
e ele começava a acreditar que sua mãe não havia permitido que a tia saísse,
quando um carro de cor prateada parou ao seu lado e deu uma pequena buzinada.
–
Venha querido, vamos lá! – a motorista se pronunciou e ao ver que era a mulher
que esperava, ele rapidamente entrou no veículo.
–
Tia, e-eu pensei que houvesse desistido. Mamãe não deixou a senhora sair?
–
Na verdade, não. – deu uma risada – Fui bem enfática ao dizer que estava com
dor de barriga e precisava me ausentar. Seu pai está lá ajudando agora, então
ela vai demorar um pouco a sentir minha falta. Vamos achar a Artêmis agora.
***
Já
havia escurecido, ela mal havia percebido. Tudo sempre fora dia para ela, sempre parada no mesmo lugar ligada
à pessoas diferentes. E agora, havia escurecido, e ela estava sozinha. E ela
sentia raiva, tanta raiva que não era possível explicar. Porque nada dera
certo, porque mais uma vez fora deixada de lado e daquela vez por sua falta de
competência.
Primeiro,
havia sido tudo escuro e quente. Então ELE estava lá, na verdade, ele sempre
estivera ali e durante muito tempo eles foram apenas um. E também havia
existido ELA, ela que era o próprio calor, cujo rosto nunca vira, mas que o
coração era repleto de sentimentos de amor. E desde o início ela amara ELA e
ELE, pois além de ser o mesmo corpo, eram da mesma essência. E então foi o fim,
veio a tristeza, a dor, o frio e no final o vazio. De repente, ELE estava
distante e ELA não existia mais. Não havia mais calor, amor ou aconchego, só um
mundo de vozes estranhas e sentimentos ruins. Depois de um tempo, soube que
aquela que chamava de ELA, era também chamada de mãe.
Depois
viera o garoto de cabelos verdes. Ele era tímido e frágil. Ele também a amara,
mas ela não entendia seu amor, pois não conhecia e ele tinha medo. Um medo tão
grande que a aterrorizava, pois se ele tinha medo, significava que não era
forte o suficiente para ficar e ela não queria perder mais ninguém.
Então
o garoto de cabelos negros veio, ele tinha menos medo, mas ele não a enxergava.
Era como se olhasse para um grande pomar de maçãs, não importaria qual desse
fruta primeiro, sempre seriam apenas macieiras e, depois de um tempo, todas
seriam indistinguíveis à sua percepção. Ela tentou chamar sua atenção, mas
quanto mais tentava provar seu valor, mais parecia que era invisível. Então
cometeu erros, mais erros e finalmente ela ficou invisível a seus olhos.
As
gotas de chuva começavam a cair. Estava tudo tão escuro e tão frio. Como sentia
saudades DELA, como queria ver ELE de novo. A garota com quem ELE fora não
tinha medo e ela sabia que existiam outros que estariam com ELE e o amariam.
Seu pequeno corpo começou a tremer cada vez mais molhado pelas lágrimas do céu.
Havia uma grande e velha construção próxima que lhe serviu de abrigo. Ela
sentiu raiva de si mesma por ser tão fraca, sua raiva era tanta que os objetos
ao seu redor começaram a flutuar, sendo arremessados contra as paredes de
madeiras cheias de mofo.
Talvez
aquele fosse seu destino, ser fraca para poder ir com ELA. Seu pequeno coração
martelava de saudade misturada à sensação de abandono. Uma parede se quebrou
com um dos objetos arremessados e o vento trazendo a chuva que a molhou ainda
mais. Não importava, talvez naquela noite encontrasse ELA. Não se importava
mais.
Um
barulho de passos fez se
ouvir pelo amassar das folhas e capim seco no chão.
A
chuva caia forte, ela se sentiu cansada e deitou-se no chão. Quem sabe depois
de tanto tempo conseguisse dormir. Um sono sem sonhos ou um sono como tivera no
princípio, apenas sentindo a doçura da voz e o calor do amor de sua mãe.
Seria
um pokémon que se aproximava? Quem sabe uma das criaturas malignas da noite, um Mightyena por exemplo, e mesmo que fosse
ela mal faria força para fugir. Não, não era um Mightyena, seus
sentimentos eram complexos demais. Não importava. Ela atiraria coisas em sua direção
e ele se assustaria.
Era
o garoto de cabelos verdes. O que ele estaria fazendo ali? Ela podia sentir seu
medo, ele estava aterrorizado. Por que não corria?
–
Artêmis – Podia ouvir a voz dele chamando-a.
“Vá
embora!” Um pedaço de madeira, talvez o machucaria.
–
N-Não posso – ele respondeu-a – Esse lugar corre o risco de cair.
“Eu
não vou a lugar algum” Mais um objeto na direção dele. Este atingiu a perna, o
barulho do gemido de dor do garoto foi coberto pela tempestade. Por mais que
ele tentasse se aproximar, ela não permitia.
–
Eu sei... Eu sei que coisas ruins aconteceram e que você ficou triste, mas
vamos embora daqui. Vamos treinar, eu ajudo você...
“Você...
Está com medo...” Um relâmpago iluminou os céus, seguido de um trovão tão forte
que estremeceu o solo.
Um
bater de asas fez-se ouvir no teto e criaturas noturnas que ela até então não
havia notado soltaram seus guinchos irritados. Dezenas de asas bateram no teto,
assustados e irritados por toda a movimentação que perturbara seu local de
descanso. Mais guinchos irritados e todas as criaturas aladas se desprenderam
do teto e voaram na direção de ambos. Ela conseguia se defender bem, mas não o garoto, que se encolhera
perante o ataque de tantas criaturas.
Ela
podia sentir seu medo, sim, agora maior do que nunca. Ele estava completamente
apavorado. Os gritos de terror haviam se prendido em sua garganta tamanho o
terror que sentia. Ela podia ver, os pensamentos estavam gritantes, uma pequena
criança de 6 ou 7 verões encolhida naquele mesmo canto, sendo atacada por
centenas daquelas criaturas. Os outros como ele haviam deixado-o para trás, ele
sentia tanto medo que perdera o controle de sua bexiga. Foi encontrado horas
depois por políciais, quase desmaiado e com sinais de envenenamento. Ele
realmente detestava Zubats.
Porém,
assim como havia começado, a enchente de morcegos acabara rápido com a
dissipação das criaturas pela noite e novamente fez-se silêncio. O menino
permaneceu encolhido e assim permaneceria durante muito tempo.
–
Artemis... Nós... Nós precisamos ir... – ela não acreditava. Por que? Por que?
Por que ele ainda estava ali?
A
estrutura do moinho balançava, a madeira rangia em berros agoniados. Chovia
tanto pelas frestas e tábuas que era como se estivessem ao relento. Uma viga
partiu ao seu lado e um pedaço do teto começou a ruir. Pela primeira vez
naquela noite ela sentiu o gosto real do medo, sabia que devia se teleportar,
mas a lembrança de como fazê-lo parecia ter sumido de sua mente. Encolheu-se
toda, finalmente iria encontrar com ELA novamente, finalmente iria se
reencontrar com sua mãe.
Foi
então que braços a rodearam com um aperto forte. O garoto de cabelos verdes,
que há segundos atrás abraçava os
próprios joelhos a segurava protetoralmente. Ela se contorceu, mas ele manteve
o aperto firme. Um único pensamento mantinha-se firme e ela gritava-o na mente
dele.
“Por
que?”
“Por
que?”
“Por
que?”
Ela
então sentiu, mesmo com tudo desabando ao seu redor. De repente, era fácil usar
seus poderes, e ela os teleportou para fora dali.
Porque
era com o amor que se ganhava forças para vencer o medo. E naquele momento ela
havia sentido o amor de Wally. Não era quente e aconchegante como o de sua mãe,
ou calmo e confiante como o de seu irmão. Era mais vivo, mais mutável, mais
denso, como o amor de quem havia escolhido amar.
A
chuva não tardou a acabar, como uma chuva de verão na primavera, toda
turbulência se fora rápido como chegara. E ela sentiu com se seu peito fosse o
céu daquela noite, que finalmente deixava transpassar a luz do amanhecer.
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Meu senhor, que coisa boa!
ResponderExcluirWally, realemente está sendo um dos meus personagens favoritos. Sei lá, personagens que sofrem como ele despertam minha empatia.
E esse elekid quebrando meu coração, tentando chamar a atenção do novo dono, sad. Inclusive, se as personalidades dos Pokemons do Wally fossem invertidas seria o normal para esses Pokémon, curioso.
Realmente, pode ser muito um golpe, tu troca um Pokémon com alguém e depois pega ele de novo, seja fazendo ele fugir ou instruindo ele a ser horrível com o outro dono.
Olha, foi legal o Wally ter pego o Pokémon de volta e tudo, mas agora quero ver como ele vai conseguir sair de casa.
E é isso, espero ansioso o próximo capítulo!
Oi Alefin! Fico muito satisfeita em saber que você está gostando do Wally. O fato dele ser um personagem secundário, porém importante me fez ter vontade de falar mais sobre ele, assim não será apenas mais um personagem e sim uma figura com sua própria história.
ExcluirO Elekid é muito nenem, fiquei com muita dozinha dele T-T, mas foi um mal necessário e agora ele e a mini-pilha são super amiguinhos.
Ainda to em dúvidas sobre o início da jornada do Wally. Não sei se ele vou narrar os detalhes, mas vou pensar bem sobre isso.
Hey, Carol! Eu posso ver todo o carinho que você colocou nesse capítulo, um desfecho lindo para esse especial que nos faz criar tanta afeição pelo Wally e até aprender como a vida segue dando novas lições para a gente. Em alguns momentos senti que tinha até uma pontada de algo pessoal nessas palavras (sempre tem, né? kkkk), e isso é uma das coisas que mais acho maravilhoso em histórias, em como passamos adiante algo que nos marcou.
ResponderExcluirO pequeno Elekid foi uma surpresa extremamente agradável, os momentos que mais me marcaram foi dele brincando com o globo de neve e da descrição detalhada no festival, tudo muito sutil e agradável de se ler. Eu adorei esse relacionamento da Ralts com o Wally, ela não precisou voltar chorando para os braços dele e pedindo desculpas (o que não teria nada a ver com a personalidade que você vem construindo) até o fim ela foi orgulhosa, mas precisou passar por tudo aquilo para tornar-se uma nova pessoa.
Eu adorei cada palavra, a maneira como você conduziu tudo como um maestro, a introdução, desenvolvimento e conclusão que nos dá a sensação de fim de jornada, sendo que a aventura de Wally ao lado de seu Pokémon mais importante está apenas para começar! Por sinal, obrigado por não mandar o Elekid de volta, depois de toda aquela conversa sobre ser trocado ele merece um treinador de verdade kkkkkk Está de parabéns por tudo, beijos!
Oi Canas! Foi um capítulo um pouco difícil de escrever porque eu quis colocar bastante sentimento nele. Passar a carga emocional do que o Wally e seus pokémons. Mostrar como os laços são criados, como é difícil para nos acostumarmos à mudanças e que as vezes precisamos olhar com mais empatia para o outro para entender seus sentimentos. Se tinha algo pessoal, eu não sei, mas foi algo que simplesmente fluiu enquanto eu escrevia, confesso que fiquei com muito medo do pessoal não gostar do resultado final.
ExcluirO Elekid é a coisa mais fofa do mundo e eu defenderei ele até o fim. Achei importante dar uma valorizada no pobre do bichinho ou ninguém ia lembrar que ele existia com o foco todo na Ralts. Que bom que você notou essa coisa do Ralts, fiquei muito tempo pensando em como fazê-la voltar para casa de uma maneira que me fosse satisfatória. Como você mesmo disse, ela era orgulhosa demais para procurar por ele então preferia ter seu fim ali mesmo do ter de pedir para ser aceita. Ainda bem que o Wally estava lá para ajudá-la a passar por tudo aquilo.
Eu fico tão feliz de receber elogios seus, me deixa inspirada a escrever cada vez melhor. Muito obrigada por ter vindo aqui ler e deixar um comentário. É sério, você não sabe como fico feliz.
Abraços! Espero te ver por aqui de novo pra acompanhar o resto da história <3
Capítulo foda, continue assim! S2 S2
ResponderExcluirObrigada, Anan! <3
ExcluirCarol, atrasei aqui pra comentar, como tu bem sabe, mas vamos lá. Vou tentar dividir em 3 seções aqui pra deixar enxuto e caramelo.
ResponderExcluirNo começo do capítulo vemos o Wally triste, pra baixo, talvez depressivo, pelo fato de sua Ralts não estar mais com ele, e isso o leva a ignorar o Elekid, o pokémon adquirido numa troca que tanto tenta chamar a atenção do jovem rapaz de cabelos verdes. Que tanto tenta ser amado pelo novo dono.
Mais tarde um pouco teremos a tia dele indo dar uma espécie de "acorda moleque!" gentil, fazendo com que o jovem perceba que foi ele que deu as opções pra Ralts sobre ir ou não, e que o Elekid passava por uma situação similar a dele mesmo. Wally depois vai tentar se aproximar mais do Elekid, e vai conseguir durante o festival que estava ocorrendo na cidade.
A guinada principal do capítulo começa a partir do momento que o jovem couve encontra o cara com quem ele fez a troca, que acaba por revelar que a Ralts sumiu depois de uma série de eventos. Wally acaba por conseguir pistas e com a ajuda da sua tia ( e do carro dela ) ele traça a Ralts até um moinho abandonado.
Neste ponto temos algo muito interessante, que é a visão da Ralts sobre como as coisas são, sobre as pessoas. Sobre quem ela considerava corajoso, destemido e forte, sobre quem ela considerava fraco, medroso e assim vai indo. A questão é que a chegada do rapaz dos cabelos cor de alface na cena vai ir deixando isso um pouco mais maleável, e no momento de desespero vai fazer com que o pensamento da pequena criatura mude. A Ralts a partir desse ponto acaba por descobrir novas tonalidades da emoção humana... E das próprias emoções.
Bem, acho que é isso aí. Gostei bastante. Valeu aí Carol até depois!
Oi Napoo! Fico feliz por ter gostado do capítulo. Em breve teremos mais coisas por aqui. Abraços!
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